20/07/2023 às 09h37min - Atualizada em 20/07/2023 às 09h37min

Secretárias e chefe de gabinete usavam dinheiro desviado para curtir o final de semana

São alvos da ação, as secretárias Kelly Elenice Freres Coqueiro, de Administração, Marilia Pereira, de Finanças, o chefe de gabinete da Prefeitura de Rio Branco, André da Conceição Paiva, e o empresário Jussemar Rebuli Pinto.

Redação
Repórter MT

A investigação da Polícia Civil, que apurou o esquema de desvio de recursos da Prefeitura de Rio Branco (356 km de Cuiabá), apontou que o procurador municipal, André da Conceição Paiva, e as secretárias de Finanças e de Administração, Marilia Pereira e Kelly Elenice Freres, respectivamente, solicitavam ao empresário Jussemar Rebuli Pinto, que mantinha contratos com o município, notas frias por serviços que não eram prestados.
 

Ainda de acordo com as investigações, os servidores da prefeitura utilizavam o dinheiro para gastos pessoais, “com gastanças nos feriados e finais de semana”. Eles usavam contas de parentes para que os depósitos fossem realizados. 
 

De acordo com o delegado responsável pela investigação, Jean Paulo Nascimento, todo o esquema descoberto funcionava em uma espécie de sistema delivery, pois os secretários envolvidos encomendavam ao empresário a nota fiscal indicando o falso serviço a ser lançado e depois recebiam os valores em conta de terceiros.

 

Ao fazer contato com o empresário, o servidor público já determinava o valor que precisava que fosse “livre”, já encaminhando o objeto (serviço fantasma) a ser colocado na nota de prestação de serviços. O valor livre se refere à quantia que o servidor desejava. Jussemar então emitia a nota fiscal por meio de suas empresas que prestavam serviços à Prefeitura de Rio Branco e fazia a comunicação via e-mail ou por mensagem em Whatsapp.

 

O servidor então transferia o valor da nota, descontando imposto, para conta bancária das empresas de Jussemar, que retornava o valor em espécie ou fazia transferência para a conta de terceiros indicada pelos servidores públicos, mas antes fazendo o desconto de sua fração no esquema.

O delegado explica que a nota fiscal era sempre feita em valor maior que o valor solicitado, sendo que Jussemar também ficava com a sua parcela do dinheiro ilícito. “Desta forma, apropriaram-se de valores do erário, sem a devida prestação do serviço, modalidade conhecida como contratação de serviços fantasmas”.

Na análise das conversas extraídas de celular apreendido de Jussemar, na ocasião em que ele foi preso pelo homicídio de um advogado em São José dos Quatro Marcos, foram encontrados diversos diálogos mantidos entre ele e o procurador da prefeitura à época e que, atualmente, era chefe de gabinete.

Entre um dos diálogos, o chefe de gabinete encaminha a conta de um sobrinho para que o valor acordado (“R$ 3 mil livre”) seja encaminhado. Porém, o empresário informa que está em Rio Branco e o chefe de gabinete pede, então, que o valor seja sacado e entregue em mãos.

Em outra conversa, o chefe de gabinete novamente procura Jussemar e diz que estão precisando de notas fiscais. “Ressalta-se novamente que ele sempre utiliza o verbo no plural (‘estamos’), aponta trecho do relatório.

Era o então procurador da prefeitura à época quem determinava o tipo de prestação de serviço que deveria ser colocado nas notas dos serviços fantasmas, acrescentando ainda que o serviço já foi realizado. Dessa vez, ele diz que precisa de “2 livre” e novamente encaminha um e-mail para que a nota fiscal seja preenchida, a fim de que o ordenador de despesas da prefeitura faça o pagamento.

A investigação apurou ainda que nos diálogos, os serviços informados pelos dois participantes do esquema são claramente fantasma, pois não foram prestados por Jussemar ou suas empresas. Quando o procurador lhe informa que o serviço já tinha sido realizado o empresário se mostra preocupado em quem teria feito tal serviço, quando então o servidor da prefeitura o tranquiliza, dizendo que foi ele próprio e uma outra servidora “gente fina” que realizaram tal serviço.

Outra constatação no inquérito policial sobre o esquema é o e-mail para o qual o procurador pedia que fossem remetidas as notas fiscais falsas. O endereço é um e-mail particular da secretária de Finanças que recebia as notas fraudulentas.

Em julho de 2021, o procurador volta a pedir ao empresário que forneça outra nota fiscal para repetir a ação criminosa e solicita o valor de “2 livre”, ressaltando que o valor da nota não pode passar de três mil reais. Ele faz o alerta porque no desvio anterior foi emitida uma nota com valor acima de quatro mil reais e pede que o ‘serviço’ seja feito ainda na mesma data, com urgência, pois a secretária de Finanças se ausentaria da prefeitura nos dias seguintes.

Após dois dias, o procurador envia o comprovante de transferência de R$ 2.925,60 da conta bancária da Prefeitura de Rio Branco para uma empresa de Jussemar e na sequência manda os dados da conta de seu sobrinho. O procurador diz o seguinte ao fazer a cobrança: “Manda aí.. estamos duro kk”. Jussemar responde com um áudio: “Opa, esqueci de te avisar. Aquela hora memo, tá dentro lá”.

“Nota-se a ironia na fala do procurador e total descaso com o dinheiro público, sendo que este ironiza para que o dinheiro fosse mandado logo porque já era ‘sexta-feira’. Isto deixa claro que nenhum serviço era prestado e que todo o dinheiro desviado era utilizado de forma pessoal pelos envolvidos, com gastanças nos feriados e finais de semana”, pontua o delegado Jean Paulo.

Em outra conversa, o empresário adverte o procurador que o falso serviço a ser prestado estava muito amplo e que isso poderia gerar desconfiança e atrapalhar os negócios dele. “Então, mas eu fico preocupado com esse objeto, esse termo é de referência do que? Que tipo de coisa, (FULANO)? Tem que limitar porque senão depois cria problema pra os outros processos meu aí.”

“A atuação criminosa já estava em estágio tão avançado que todos os termos do negócio ilícito eram discutidos, negociação do valor da propina a ser recebida pela emissão da nota, falso serviço a ser prestado, palavras e termos a serem colocados para não gerar desconfiança”, comentou o delegado.

A investigação detalhou o esquema criminoso e apontou os valores que Jussemar recebeu da Prefeitura de Rio Branco, sempre valores baixos, mas constantes durante os anos. A maior parte das notas fiscais vinculadas aos empenhos era assinada pelas secretárias de Finanças e de Administração.

“O núcleo central que controla e zela pelo erário estava envolvido na trama criminosa com um prestador de serviço habitual da administração pública, o que torna todos os contratos administrativos celebrados com essa empresa, no mínimo, suspeitos e passíveis de revisão, em especial o que são feitos mediante dispensa/inexigibilidade de licitação”, acrescenta o delegado.

Depósitos em espécie e fracionados, abaixo de R$ 2 mil são comumente utilizados para evitar comunicação ao Banco Central e burlar a fiscalização, pois acima desse valor devem conter nome e CPF do depositante/sacador.

Além dos servidores e o empresário investigados, três pessoas que facilitaram o desvio do dinheiro público emprestando contas bancárias para recebimento dos valores ilícitos também são alvos da investigação.

Jussemar teve a suspensão de contratos com a prefeitura determinadas pela Justiça a pedido da Polícia Civil, além de ser alvo de prisão e de buscas. Ele está foragido e é alvo de outra investigação da Delegacia de Mirassol d’Oeste, quando também teve a prisão decretada, por fraude em concurso público daquele município.

Os servidores municipais de Rio Branco foram afastados do cargo e tiveram as prisões decretadas, contudo, um deles, o chefe de gabinete da prefeitura, está foragido.

Durante as buscas nesta quarta-feira (19), na casa de uma das secretárias foram apreendidos R$ 6,5 mil e em um dos endereços do empresário, os policiais encontraram uma arma de fogo e munições.

 
 
 
 

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